segunda-feira, 6 de junho de 2011

Retrô-TV - Strange Luck - Não evite a sorte!

Os fãs de séries sabem bem o que é isso. Você começa a acompanhar uma nova ideia, fica gostando dela porque é bem realizada e pra lá de inteligente, e de repente, algum executivo de TV, aqui no Brasil ou no exterior, acaba cancelando tudo sem dar muitas satisfações à audiência e pelos mais variados motivos. Ralfo Furtado, que dispensa apresentações, conta no post abaixo, a sua experiência neste sentido, no que diz respeito a série "Strange Luck", exibida na TV a cabo do passado. Acompanhe...

Texto de Ralfo Furtado:

Esse conselho do título, a meu entender, é a ideia principal de uma das séries de TV mais estranha que eu já vi e, como adoro coisas estranhas, virei fã... e órfão. A série foi cancelada pela Fox na primeira temporada, com apenas 17 episódios, e todo mundo ficou na mão. Ainda hoje, existem, na internet, páginas de discussão, fóruns e blogs a respeito de detalhes estranhos da série, sobre o elenco estranho, o criador muito estranho, em inglês, alemão, francês, o escambal. Menos em português. Não encontro com quem conversar sobre o assunto por aqui. Onde está minha manada?

Quem sabe se eu começar a escrever direito e não desta maneira estranha, sem pé nem cabeça, alguém consiga entender do que eu estou falando e minha turma me encontre. Em fevereiro de 1996, eu tinha acabado de aderir ao mundo da TV a cabo, na esperança de ter opção de entretenimento que fugisse ao massacre do carnaval na TV aberta, já que eu estava confinado à frente da telinha (a internet ainda engatinhava, a Mandic tinha BPS, lembra?) por causa de um pé quebrado. Eu lá, com o pé para cima, no gesso, mudando os meus novos canais pagos, quando me deparei com “Strange Luck” no Sony Entertainment Television.

Strange Luck” (sorte estranha) me fisgou imediatamente, fiquei viciado, não queria perder um episódio. E foram só 17. Gravei todos em VHS. Mas hoje você pode assistir ou baixar todos do YouTube, divididos em cinco pedaços cada um. O personagem principal é o fotógrafo Chance Harper, interpretado por D. B. Sweeney.

Ele vai todo dia na lanchonete Blue Plate (prato azul) e pede um café para a Angie (a atriz britânica ruiva Frances Fisher, que foi “casada de fato” com Clint Eastwood entre 1989 e 1995 e fez a mãe da personagem de Kate Winslet em “Titanic”, de 1997, do diretor James Cameron. Recentemente, ela foi vista em episódios de “The Mentalist”, “Two and a Half Men” e “Private Practice”).

Chance nunca tem dinheiro para pagar a conta na lanchonete, exceto uma moeda de um dólar (algo raro, moedas de dólar existem só em coleções e ainda valem normalmente, mas custam mais para serem fabricadas do que o dólar de papel, por isso a produção parou faz tempo – eu tenho uma em algum lugar) que usa para raspar bilhetes de loteria. Ele pede uma “raspadinha” ou duas para Angie e pronto, já tem o dinheiro para pagar a conta e ainda deixa para ela o troco. Ela pergunta por que ele acerta uns caraminguás e pára, não continua tentando ganhar mais, e ele responde que “não se deve abusar da sorte”.

A outra mulher da série é a loira Audrey Westin (atriz Pamela Gidley, a Teri Miller de CSI), a “patroa” dele. Ela é a editora de uma publicação que contrata os serviços freelance de Chance como fotógrafo e tem um passado amoroso com ele que, vez ou outra, invade o presente. Ele usa uma câmera fotográfica do tamanho de um bonde e filmes de rolo que guarda na geladeira de seu precário apartamento, no qual um dos cômodos é sua câmara de revelação, com luz vermelha e varais com fotos penduradas para secar, como nos bons tempos, nada das convenientes caixinhas digitais sem mistério de hoje.

Só que, para ele ir cumprir um dos serviços fotográficos encomendados, em seu carro meio tosco e com os filmes e câmera nos bolsos de seu paletó surrado, ele sempre acabava desviando do caminho e se envolvendo com as situações mais bizarras da cidade, no caso, Vancouver, no Canadá, onde a série foi filmada, tal qual uma outra série também da Fox, da mesma época, não sei se vocês vão se lembrar, como era mesmo o nome... uma tal de Arquivo-X. O clima é o mesmo, tudo muito escuro, frio e chuvoso.

Estabelecendo inclusive que as duas séries aconteciam no mesmo “universo ficcional”, em um dos episódios, o 11, o irmão de Chance, em uma carta, pede a Chance que procure o agente “Muldur” do FBI em caso de alguma coisa suspeita acontecer com ele.

A terceira mulher da série, a negra (ou deveria escrever afro-descendente?) doutora Richter (Cynthia Martells, que foi a promotora Carter em “Arquivo-X” e, recentemente, a dra. Cynthia Adams, em “Nip/Tuck” - ela era estudante de Direito quando a mãe a convenceu a ser atriz, então ela se tornou aluna de artes dramáticas e seu professor foi Avery Brooks, o Sisko, de “Star Trek: Deep Space 9”) é a psiquiatra designada, no primeiro episódio, para estabelecer se o prisioneiro Chance era maluco ou não.

No episódio 1, Chance pára na lanchonete para tomar seu café com “raspadinha”, a caminho de um trabalho fotográfico, quando repara em uma mulher sentada na lanchonete que está chorando e escrevendo alguma coisa. Ela sai da lanchonete e ele a segue. Ela sobe no topo de um prédio e fica na beiradinha. Ele liga para a polícia, do seu celular ultra-moderno de 1995 do tamanho de um tijolo baiano, avisando sobre a potencial suicida e sobe no prédio também. Para encurtar a história, os dois caem juntos do prédio, direto na rede que os bombeiros já tinham armado lá embaixo e, durante a queda, ele vai fotografando, caindo e tirando foto da moça, que cai na frente dele.

Depois disso, ele pega carona numa viatura de polícia que ia para o mesmo lado aonde ele deveria ter ido fazer o trabalho fotográfico. No meio do trajeto, os policiais páram para ver um carro caído do alto de um viaduto. O ocupante do carro acidentado troca tiros com os dois policiais que levavam Chance. Os dois policiais são baleados e o bandido só não atira em Chance também, porque o carro acidentado explode naquele instante e tira sua atenção. Mas ele foge levando o paletó de Chance com a carteira de documentos e o celular nos bolsos (a partir daí, passa a cometer crimes usando a identidade de Chance Harper e usar o celular para ligar para meio mundo).

Chance se abaixa e pega a arma de um dos policiais do chão no momento em que vários carros de polícia chegam ao local, atraídos pela explosão, e dão voz de prisão a ele, que está com a arma na mão, sem documentos, ao lado de dois policiais baleados. Nesse instante, minha mulher, que forcei outro dia a assistir esse episódio comigo, exclamou: “ele é retardado?” Realmente, quem, mesmo em Vancouver há 16 anos, se envolveria com tudo que vê pelo caminho? É muita babaquice. Até irrita. Você continua assistindo ou com dó ou para ver em que mais ele vai se lascar.

Na delegacia, enquanto é “fichado”, Chance deixa a câmera fotográfica (dela, ele não desgruda) disparando discretamente quando flagra o figurão que ele deveria ter ido fotografar, coincidentemente, também sendo preso e levado a uma cela. Quando os policiais puxam a vida corrida de Chance em um computador que, hoje, parece ser da época dos Flintstones, com textos verdes em tela preta, ficam impressionados com a quantidade de vezes em que ele já foi preso e depois inocentado e solto, tendo ganho até medalhas, uma espécie de super-herói urbano. Aí, ele é levado para a psiquiatra.

Ele conta para a psiquiatra que coisas surpreendentes vivem acontecendo para ele o tempo todo, todo dia. As pessoas perguntam por que essas coisas acontecem para ele, e ele responde que elas não acontecem só para ele, acontecem para todo mundo, ele só não as evita. Se ele vê alguém chorando na sua frente, ao invés de ignorar, como todo mundo faz, ele se envolve. A partir daí, sempre haverá consequências, sejam elas boas ou más.

A psiquiatra o hipnotiza e o faz se lembrar da infância, de quando ele era menininho e se chamava Alex e sobreviveu a um acidente aéreo: o avião caiu e todos a bordo morreram, inclusive seus pais e sua irmã, menos seu irmão Eric (e ele nem lembrava que tinha um irmão antes de ser hipnotizado), que não embarcou. Um dos bombeiros, que atendeu ao desastre na época, adotou o menino e lhe deu novo nome e sobrenome: Chance (chance e também sorte, em inglês) Harper. Quando “volta” da hipnose, Chance sente cheiro de fumaça e força a médica a sair do prédio antes que ele queime em um incêndio. Não vou contar o resto. A partir daí, a psiquiatra vira fã dele e aparece em todos os episódios, aconselhando-o e ajudando-o a recuperar a memória.

O ator D. B. Sweeney (que só agora saciei minha curiosidade de mais esse mistério no Wikipedia: Daniel Bernard) foi visto recentemente nas séries “The Event” e “Jericho”, também apareceu em episódios dos vários “CSIs”, em “House” e em “Hawaii-5-0”.

Usando o velho chavão “a vida imita a arte”, Sweeney personificou uma situação digna de “Strange Luck”: quando dirigia para casa em Vancouver, numa quarta-feira, depois de um dia de filmagens, ele viu um carro escorregar fora de controle para dentro de uma lagoa. Ele imediatamente ligou para 911 do seu celular e o passou para uma mulher que estava por ali ela pedir o resgate, enquanto ele correu para o carro que estava rapidamente submergindo na água. Sweeney encontrou o motorista nadando e o ajudou a sair da lagoa.

Quando ele se certificou que o motorista estava bem, ele procurou a mulher para recuperar seu celular e saber se a polícia ou bombeiros estavam vindo. Foi só aí que ele percebeu que a mulher, que estava toda confusa, não falava inglês e não tinha se comunicado com o operador do 911. Por sorte, uma viatura policial estava passando por ali e parou para dar assistência. Sweeney voltou para seu carro e retomou a volta para casa, ao estilo Chance Harper.

Tal como Chance, Sweeney também era um “cara bacana”, como testemunha quem trabalhou com ele: Mitch Kosterman, que interpretou um policial observador de pássaros em dois episídios de “Strange Luck” conta que, em uma cena, Chance estava no alto de uma rocha olhando para baixo. Depois de uma sequência de filmagens dele, a câmera foi virada para o outro lado, para filmar o policial. Aí o diretor disse a Sweeney que ele poderia relaxar, o que significa que ele não era mais necessário e poderia se retirar para o camarim. Mitch suspirou e pensou que iria falar sua parte do roteiro interpretando para a câmera. Para sua surpresa, Sweeney disse: “não, me arrange uma escada”, subiu nela e ficou lá, respondendo suas falas, de diversos ângulos, várias vezes, o tempo todo, ajudando na interpretação do ator coadjuvante.

O criador de “Strange Luck”, Karl Schaefer, também é um caso a parte. Fora o fato de também ter sido o produtor executivo da série “The Dead Zone”, co-produtor da série “Eureka” e produtor consultor de “Ghost Whisperer”, mais nada se sabe do cara! Onde nasceu, onde estudou, vida pessoal, nada! Não tem uma foto dele em lugar nenhum. Já procurei muito. E para quê eu preciso disso? Para saciar minha curiosidade de saber se ele é o mesmo Karl Schaefer que estudou comigo em Downey High School, em 1976, subúrbio de Los Angeles, ali pertinho de Hollywood, quando a gente fazia o jornal da escola, “The Norseman”, eu era o cartunista do jornal e ele era o editor e fotógrafo.

Eu tirei três conclusões disso tudo. Primeira, se você encontrar uma pedra no seu caminho, você tem a escolha de se desviar dela (ou pular) ou pisá-la ou chutá-la. Se você escolher uma das duas últimas opções, haverá consequências, nem você nem a pedra serão os mesmos. Segunda, seja sempre uma boa pessoa, mesmo que pareça retardado. Terceira, ou quem assiste séries de TV não precisa de religião ou Deus fala conosco através de algumas delas.



Ralfo Furtado, especial para o TV tudo isso.




Ralfo Furtado é professor universitário da Estácio ( http://www.portal.estacio.br/ )há 2 anos, co-apresentador há 5 anos do Programa São na http://www.alltv.com.br/ ,  jornalista da http://www.cargapesada.com.br/ há 26 anos, sócio da http://www.ussbrazil.com/ há 16 anos, advogado há 30 ano, mas se considera cartunista há 35 anos.

Crédito das imagens: Divulgação da Fox Filmes do Brasil e Youtube

Clique no link abaixo e assista à primeira parte (de 5) do primeiro episódio da série "Strange Luck" da Fox:

Strange Luck Episode 1 [1/5]

Um comentário:

  1. Parabéns pela lembrança meu caro Ralfo... Strange Luck era uma série pra lá de criativa e original. Pena que na mesmice da TV brasileira e mundial, cada vez mais produzida para seres manipuláveis e limítrofes, iniciativas como estas sejam cada vez mais, exceções.

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